Francisco Raposo: dois poemas

Customização Divina

Limpei o fumo que molda o vento

E pude ver, não há nada por detrás da cortina

E a esperança foi debalde,

Direto ao mar de ausências

Minerar ostras cheias de ilusões

Para anestesiar as feridas da perseverança.

Planto sol todas noites

E de dia planto estrelas cadentes

Enquanto decanto pacientemente nuvens sobre o céu

Na esperança de regar os sonhos novamente 

E redesenhar a imagem lunar sem contornos familiares.

Não me faço mártire novamente

Esse espirito jurássico que se curva a doçura da extinção,  

Não quero mais gritar sobre um mundo de arreia

Sobre o palato pérfido de crenças mumificadas por milénios 

Quero ser apenas este porco vagabundo sobre bancadas de tabernas

Quero gritar à saúde, mesmo fritando o fígado de ressacas

Quero escalar peitos, sem falar de moralidades

e uma vez por semana, quero gozar da hipocrisia do Judas

e personalizar todas crenças à minha própria imagem e semelhança

onde cabe todos meus prazer e medos.

E de joelhos, continuarei succionando dos lábios do copo

Salivando entre os filtros das beatas ainda acesas

E terminar no chão como se a vida não fosse mais que uma efeméride.

Francisco Raposo, Hualien, Taiwan 2025

Escancaro do ego

Sou uma gota de vento perdido no fumo

Vagueio sobre folhas a procura de rostos

E engulo este nó da taça da fanfarra

Para engarrafar o prazer de viver.

Decepo pulgas de forma vil

E gotejo minha língua no suor das botas:

-A morte é assim, precisa ser lambida!

Depois grito com o órgão a mostra

Escancaro o ego sobre a voz

Grito ainda mais altivo

E ensurdeço a quem nunca entendeu a mensagem

Brinco de mil maravilhas sobre o prazer de um olhar

Mas nada falo, apenas resmungo e engulo vozes de todas cordas

Agarro o momento pela gola e me vejo amparado na chuva.

Não me desligo.

 Diluo-me entre asas de beijos

Sugo as nuvens como púbis

E lambuzo as lembranças de um sorriso distante e apagado

Escrito na pele da velhice repleto de lonjuras

e viajo em leitos perenemente.  

Francisco Raposo

Francisco Raposo nasceu em 1997 no distrito de Búzi, província de Sofala-Moçambique. É Licenciado em Análises Clínicas e Laboratoriais pela Universidade Católica de Moçambique. Muito cedo quis fazer parte do grupo cultural da escola primária, como não sabia cantar e nem dançar, buscou refúgio na poesia e no conto donde não conseguiu voltar até hoje. Marcou presença na 3º Monstra Nacional de Jovens Criadores (2013).  Participou nas antologias “Poemas e Cartas Ridículas de Amor” (2019), “Construtores de palavras” (2020), vencedor do concurso literário de crónicas “Memórias do IDAI” (2020), tem publicações em diversos Blogs, jornais e revistas moçambicanos e estrangeiros. Coordena oficinas de leitura na Reserva Especial do Niassa-Marir; Membro do movimento literário Kulemba, Clube do Livro da Beira e CEPAN no Niassa.

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